miércoles, 11 de noviembre de 2015

"Argentina: Tabuleiro do poder"

ARGENTINA
Em caso de vitória no segundo turno, no próximo sábado, opositor Mauricio Macri vai enfrentar resistência do Congresso para comandar o país e precisará costurar coalizões. O governista Daniel Scioli teria controle do Legislativo

Tabuleiro do poder


RODRIGO CRAVEIRO (Correio Braziliense)





Daniel Scioli, governista, apadrinhado político de Cristina Kirchner. Mauricio Macri, opositor, porta-voz de mudanças na política argentina e de ruptura com o peronismo. Em exatamente duas semanas, a Argentina escolherá o próximo ocupante do Sillón de Rivadávia — a cadeira presidencial da Casa Rosada. Até 2019, o novo chefe de Estado terá que concentrar esforços na articulação política e nas relações com o Congresso Nacional, cuja configuração está formada desde o primeiro turno. Apesar de favorito nas pesquisas para o segundo turno, Macri, candidato do partido Propuesta Republicana (PRO), não deverá ter dias fáceis no comando do país e precisará de jogo de cintura para garantir a governabilidade do país.





Na nova formação do Congresso, a Frente para la Victoria (FPV), coalizão de Scioli, terá maioria própria no Senado, ao contar com 42 do total de 72 senadores. Por sua vez, o PRO conseguiu fazer apenas quatro representantes na Casa, ficando atrás da Unión Cívica Radical (UCR), que externou simpatia por um triunfo macrista e do peronismo não kirchnerista (10 senadores). Ao considerar os aliados, o PRO terá 17 representantes. Na Câmara dos Deputados, nenhum dos dois candidatos na disputa obteve maioria para a próxima legislatura. A FPV terá 117 dos 257 parlamentares, seguida pela UCR (50), pelo PRO (41) e pelo peronismo não kirchnerista (36).



De acordo com Miguel de Luca, cientista político da Universidade de Buenos Aires, Scioli gozará de uma margem de ação relativamente cômoda dentro do Congresso, caso consiga reverter as tendências eleitorais. “Sem muitos obstáculos, ele poderá ter o respaldo de blocos menores da Casa para aprovar sua agenda de governo”, explica ao Correio. “Com minoria nas duas Casas, Macri poderia construir uma coalizão exitosa na Câmara, através de acordos com vários blocos, especialmente com os legisladores peronistas não kirchneristas.” O principal deles, o ex-presidenciável Sérgio Massa, havia divulgado simpatia por um triunfo da oposição. De Luca admite que o cenário no Senado seria mais complicado, e Macri precisaria negociar todos os projetos de lei com os adversários políticos, além de nomeações que exigirem o consentimento do Senado, como para cargos de juízes, embaixadores e funcionários de alto posto.



Se uma eventual relação de Macri com o Congresso tem tudo para ser tumultuada, Macri contará com a enorme maioria das províncias argentinas, governadas por líderes peronistas. “Caso Scioli vença, sua gestão será marcada pelo controle da estratégica província de Buenos Aires nas mãos do macrismo. No entanto, ambos os candidatos precisarão lançar mão de acordos para governar, o que implicaria numa mudança, pois Cristina Kirchner teve a maioria tanto no Senado quanto na Câmara”, afirma à reportagem Leandro Morgenfeld, doutor em história e professor de história argentina pela Universidade de Buenos Aires. Desde 2007, a oposição não tem conseguido frear a maior parte dos projetos enviados ao Congresso pelo Poder Executivo.



Em cenário de vitória de Macri, a Argentina deverá sofrer uma ofensiva antipopulismo. “Ela se tornaria o primeiro país da América Latina no qual a direita consegue um triunfo eleitoral ressonante, capaz de modificar o equilíbrio de forças regionais, debilitar o Mercosul e o eixo bolivariano, além de reforçar a Aliança do Pacífico. “Macri deve tentar realizar um forte ajuste, com a desvalorização e a redução de salários, mas contará com a oposição do movimento trabalhista e das forças populares”, prevê Morgenfeld. Apesar de obter maioria no Legislativo, Scioli deverá enfrentar resistências ainda maiores, graças à debilidade com a qual emergiu do primeiro turno, às tensões com o kirchnerismo à pressão de organizações populares, que não permitirão ataques a direitos sociais conquistados a duras penas.



Ineditismo

De Luca explica que uma vitória de Macri provocaria uma situação inédita na política argentina. “Ele seria um líder indiscutível do PRO, mas o partido seria minoritário no Congresso e faria apenas dois dos 24 governos, apesar de serem bastante relevantes: a província de Buenos Aires e a prefeitura da capital”, comenta. Dentro de sua coalizão de apoio, a Cambiemos, a UCR será o principal sócio, o que viabilizaria a governança, se o consenso e a busca de compromissos forem privilegiados. “Caso Scioli seja eleito, ele se convertirá no líder da FPV e usufruirá de apoio dos governadores peronistas. Haverá um conflito com os kirchneristas, mas o presidente acabará por se impor. Se Scioli perder, o peronismo entrará em período de luta pela liderança, numa disputa entre kirchneristas, governadores peronistas e Sérgio Massa.



Pesquisador argentino do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Andrés Malamud acredita que tanto Scioli quanto Macri terão que negociar com os governadores, responsáveis pela manipulação dos votos dos senadores de cada província. “A diferença é que o partido de Scioli controlará entre 13 e 16 governos, enquanto a coligação de Macri dominará apenas cinco”, disse ao Correio. Ele aposta que o peronismo seguirá como partido majoritário, abrindo-se uma etapa descarnada de luta pela sucessão de Cristina Kirchner. “Para as eleições do próximo dia 22, o momento favorece Macri. A campanha dele se mantém coerente e focada, enquanto a de Scioli se contaminou com distintas vozes e com mensagens contraditárias da presidente. Mas o intuito é disseminar o medo em reação a uma vitória de Macri, assim como o Partido dos Trabalhadores (PT) fez com Aecio Neves”, concluiu Malamud.







PONTOS DE VISTA




Na metade da campanha eleitoral, quem chega com mais força ao segundo turno?




Por Miguel De Luca





Oposição em alta




“Apesar de Daniel Scioli ter colocado vantagem de três pontos percentuais, Mauricio Macri aparece mais bem posicionado para o segundo turno por uma série de razões. Em primeiro lugar, todos esperavam um melhor aproveitamento de Scioli, incluindo um triunfo sem necessidade de nova votação. O resultado causou expectativas no eleitorado que buscava alternância no poder e, agora, está mais mobilizado para o segundo turno. Em segundo lugar, depois de 25 anos ininterruptos no comando, a Frente para la Victoria (FPV) perdeu o domínio da estratégica província de Buenos Aires, onde votam 40% dos eleitores do país. Isso foi um golpe duríssimo para o partido. Em terceiro, as pesquisas de opinião mostram que a grande maioria dos simpatizantes de Sergio Massa (21% do eleitorado) estão mais dispostos a apoiar Macri. Em quarto, Scioli não contará com pleno apoio do aparato da FPV, crucial na mobilização da base peronista. Em quinto, surgiram importantes críticas dentro da FPV a respeito da candidatura de Scioli, das responsabilidades sobre a derrota na província de Buenos Aires e sobre seu eventual gabinete.”





Cientista político da Universidade de Buenos Aires





Por Leandro Morgenfeld





A reação do governo




“No primeiro turno, Daniel Scioli obteve quase 37% dos votos, enquanto Macri ficou com 34%. A sensação foi de triunfo do opositor sobre o oficialista, já que o candidato da Frente para la Victoria aspirava ganhar sem necessidade de nova votação. As três pesquisas divulgadas nos últimos dias indicam que Macri leva vantagem sobre Scioli. Ele conta com o apoio dos principais meios de comunicação, que estão implantado uma grande campanha, agora que veem Macri ter chance de se tornar presidente. De toda a maneira, nos últimos dias, a possibilidade certa de que, pela primeira vez na história, um expoente da direita local pode chegar à Casa Rosada por meio do voto popular provocou forte reação popular. Em todo o país, são organizadas reuniões, assembleias, mobilizações e iniciativas autoconvocadas para explicar por qual razão um triunfo de Macri implicaria em grande retrocesso social e político. Macri conseguiu desenvolver um grande marketing eleitoral para ocultar o programa de governo. A contracampanha quer desmascará-lo e reverter o cenário político, evitando sua vitória nas urnas.”





Doutor em história e professor de história argentina pela Universidade de Buenos Aires

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