ELEIÇÕES NA ARGENTINA
Candidato apoiado pela presidente
Cristina Kirchner, Daniel Scioli apela a indecisos e a eleitores do
opositor Sergio Massa, ao admitir segundo turno.
A disputa continua
RODRIGO CRAVEIRO (Correio Braziliense, 26 de octubre de 2015, p. 10)
O
primeiro turno das eleições presidenciais argentinas acompanhou o
suspense das últimas pesquisas de opinião. No fechamento desta edição, à
0h30 de hoje (23h30 de ontem na Argentina), todas as tendências
apontavam que os 32 milhões de eleitores definirão os rumos do país em
um inédito balotaje — como é chamado o segundo turno. Os assessores de
Mauricio Macri, prefeito de Buenos Aires e candidato do partido opositor
Cambiemos, garantiram que a disputa será decidida somente em 22
novembro. Por sua vez, o quartel-general da campanha de Daniel Scioli,
da coalizão governista Frente para la Victoria (FPV), adotou a cautela
durante horas. Até que, por volta das 23h de ontem, o próprio Scioli
discursou no Estádio Luna Park, na capital portenha, implicitamente
reabriu a campanha para o segundo turno e fez um apelo aos indecisos e
aos eleitores do opositor Sergio Massa, da frente Unidos por una Nueva
Alternativa. “Eu peço que sigam me acompanhando aqueles que haviam
escolhido outra proposta. Porque chegou o dia em que, para um argentino,
não há nada melhor do que outro argentino”, declarou, parafraseando o
ex-presidente Juan Domingo Perón, em pronunciamento feito em 1º de maio
de 1974. “Existem duas visões muito diferentes do presente e do futuro
da Argentina que estão em jogo. Ratificamos que nossa prioridade são os
humildes, os trabalhadores e nossa classe média”, acrescentou.
Scioli
encerrou o pronunciamento com citações de várias personalidades
políticas. “Como dizia Perón, todos unidos triunfaremos. Creio, além
disso, como dizia (Raúl) Alfonsín (ex-presidente), que com a democracia
se cura, se come e se educa. E como Néstor (Kirchner, também
ex-presidente), que as convicções não se deixam na casa de governo. E
como Cristina (Kirchner, atual chefe de Estado), que a Pátria é o
outro”, declarou. Por fim, lembrou uma frase do papa Francisco: “Nós
devemos construir pontes”.
O índice de abstenção ficou em
torno dos 21%, apenas cinco pontos percentuais a mais que o registrado
durante as primárias abertas, simultâneas e obrigatórias (Paso), em
agosto passado. Na Argentina, o voto somente não é compulsório para os
menores de 18 anos e para quem tem mais de 70 anos. “É uma cifra muito
alta, de acordo com a tradição política argentina. (…) Nós, que vivemos
durante a ditadura, sabemos, e é preciso repetir para que as futuras
gerações saibam disso. Votar é uma festa bem além dor resultado”,
declarou o ministro de Justiça e Direitos Humanos, Julio Alak. Quase
cinco horas depois de encerrada a votação, nenhum número oficial da
apuração tinha sido divulgado.
Antes de Scioli se pronunciar,
Marcos Peña, chefe de campanha de Macri, havia disparado: “Há balotaje”.
A frase se transformou em hashtag no Twitter (#HayBalotaje) e passou a
figurar entre os assuntos mais comentados pelos argentinos. Nas fileiras
da FPV, Alberto Pérez, chefe de gabinete do governo da província de
Buenos Aires, chegou a anunciar “um contundente triunfo de Scioli”, mas
se recusou a descartar o segundo turno.
Costura política
No
caso de uma vitória apertada de Scioli no primeiro turno, Leandro
Morgenfeld — doutor em história e professor de história argentina pela
Universidade de Buenos Aires — acredita que Macri tentará capitalizar os
60% dos votos que não foram para o oficialismo. “Ele vai pretender que o
eixo da disputa seja a mudança contra o continuísmo. Scioli, por sua
vez, tentará girar mais até o centro e atrair os peronistas, incluindo
Massa. Calcula-se que dois terços de seus votos irão para Macri e um
terço para Scioli. A quarta força política da Argentina, a ex-deputada
social-democrata e também opositora Margarita Stolbizer, deve ficar com
4% dos votos, os quais seriam repartidos entre os dois num eventual
segundo turno. Acho difícil que Macri chegue a 50%”, admitiu à
reportagem. Morgenfeld reconhece que o balotaje é um golpe forte no
kirchnerismo. “Eles esperavam conquistar a Casa Rosada hoje (ontem),
sofreram um desastre na capital e, se chegarem a perder a província de
Buenos Aires, será ainda pior. Também perderam a província de Jujuy
depois de 32 anos.”
Em Río Cuarto, na província de Córdoba, a
700km de Buenos Aires, a enfermeira Mariela Filippi Marini, 30 anos,
admitiu ao Correio que é “macrista radical”. “Creio que teremos um
segundo turno. Parece-me uma oportunidade histórica para sair dos 12
anos de kirchnerismo. Nós precisamos mudar muitas coisas neste país”,
disse. “É possível ler a derrota estampada nos rostos de simpatizantes
de Scioli.” Ela reclamou que não deseja mais planos sociais, mas
trabalho, saúde e educação. “Quero um político que governe para os que
trabalham, e não para aqueles privilegiados do sistema”, desabafou.
Morador
de Buenos Aires, o corretor de seguros Diego Hernan Vanzetta, 38, disse
que “confia mais do que nunca” na vitória de Macri. “Scioli se sentiu
muito perdedor hoje (ontem). Onde eu vivo, não existe um peronista há 20
anos. Com o triunfo macrista, será o fim da ideia de que a única
alternativa para governar é o peronismo”, celebrou.
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