martes, 27 de octubre de 2015

"A disputa continua"


ELEIÇÕES NA ARGENTINA
Candidato apoiado pela presidente Cristina Kirchner, Daniel Scioli apela a indecisos e a eleitores do opositor Sergio Massa, ao admitir segundo turno. 

A disputa continua 

RODRIGO CRAVEIRO (Correio Braziliense, 26 de octubre de 2015, p. 10)
 
O primeiro turno das eleições presidenciais argentinas acompanhou o suspense das últimas pesquisas de opinião. No fechamento desta edição, à 0h30 de hoje (23h30 de ontem na Argentina), todas as tendências apontavam que os 32 milhões de eleitores definirão os rumos do país em um inédito balotaje — como é chamado o segundo turno. Os assessores de Mauricio Macri, prefeito de Buenos Aires e candidato do partido opositor Cambiemos, garantiram que a disputa será decidida somente em 22 novembro. Por sua vez, o quartel-general da campanha de Daniel Scioli, da coalizão governista Frente para la Victoria (FPV), adotou a cautela durante horas. Até que, por volta das 23h de ontem, o próprio Scioli discursou no Estádio Luna Park, na capital portenha, implicitamente reabriu a campanha para o segundo turno e fez um apelo aos indecisos e aos eleitores do opositor Sergio Massa, da frente Unidos por una Nueva Alternativa. “Eu peço que sigam me acompanhando aqueles que haviam escolhido outra proposta. Porque chegou o dia em que, para um argentino, não há nada melhor do que outro argentino”, declarou, parafraseando o ex-presidente Juan Domingo Perón, em pronunciamento feito em 1º de maio de 1974. “Existem duas visões muito diferentes do presente e do futuro da Argentina que estão em jogo. Ratificamos que nossa prioridade são os humildes, os trabalhadores e nossa classe média”, acrescentou. 
Scioli encerrou o pronunciamento com citações de várias personalidades políticas. “Como dizia Perón, todos unidos triunfaremos. Creio, além disso, como dizia (Raúl) Alfonsín (ex-presidente), que com a democracia se cura, se come e se educa. E como Néstor (Kirchner, também ex-presidente), que as convicções não se deixam na casa de governo. E como Cristina (Kirchner, atual chefe de Estado), que a Pátria é o outro”, declarou. Por fim, lembrou uma frase do papa Francisco: “Nós devemos construir pontes”. 
O índice de abstenção ficou em torno dos 21%, apenas cinco pontos percentuais a mais que o registrado durante as primárias abertas, simultâneas e obrigatórias (Paso), em agosto passado. Na Argentina, o voto somente não é compulsório para os menores de 18 anos e para quem tem mais de 70 anos. “É uma cifra muito alta, de acordo com a tradição política argentina. (…) Nós, que vivemos durante a ditadura, sabemos, e é preciso repetir para que as futuras gerações saibam disso. Votar é uma festa bem além dor resultado”, declarou o ministro de Justiça e Direitos Humanos, Julio Alak. Quase cinco horas depois de encerrada a votação, nenhum número oficial da apuração tinha sido divulgado.
Antes de Scioli se pronunciar, Marcos Peña, chefe de campanha de Macri, havia disparado: “Há balotaje”. A frase se transformou em hashtag no Twitter (#HayBalotaje) e passou a figurar entre os assuntos mais comentados pelos argentinos. Nas fileiras da FPV, Alberto Pérez, chefe de gabinete do governo da província de Buenos Aires, chegou a anunciar “um contundente triunfo de Scioli”, mas se recusou a descartar o segundo turno. 

Costura política
 
No caso de uma vitória apertada de Scioli no primeiro turno, Leandro Morgenfeld — doutor em história e professor de história argentina pela Universidade de Buenos Aires — acredita que Macri tentará capitalizar os 60% dos votos que não foram para o oficialismo. “Ele vai pretender que o eixo da disputa seja a mudança contra o continuísmo. Scioli, por sua vez, tentará girar mais até o centro e atrair os peronistas, incluindo Massa. Calcula-se que dois terços de seus votos irão para Macri e um terço para Scioli. A quarta força política da Argentina, a ex-deputada social-democrata e também opositora Margarita Stolbizer, deve ficar com 4% dos votos, os quais seriam repartidos entre os dois num eventual segundo turno. Acho difícil que Macri chegue a 50%”, admitiu à reportagem. Morgenfeld reconhece que o balotaje é um golpe forte no kirchnerismo. “Eles esperavam conquistar a Casa Rosada hoje (ontem), sofreram um desastre na capital e, se chegarem a perder a província de Buenos Aires, será ainda pior. Também perderam a província de Jujuy depois de 32 anos.”
Em Río Cuarto, na província de Córdoba, a 700km de Buenos Aires, a enfermeira Mariela Filippi Marini, 30 anos, admitiu ao Correio que é “macrista radical”. “Creio que teremos um segundo turno. Parece-me uma oportunidade histórica para sair dos 12 anos de kirchnerismo. Nós precisamos mudar muitas coisas neste país”, disse. “É possível ler a derrota estampada nos rostos de simpatizantes de Scioli.” Ela reclamou que não deseja mais planos sociais, mas trabalho, saúde e educação. “Quero um político que governe para os que trabalham, e não para aqueles privilegiados do sistema”, desabafou.
Morador de Buenos Aires, o corretor de seguros Diego Hernan Vanzetta, 38, disse que “confia mais do que nunca” na vitória de Macri. “Scioli se sentiu muito perdedor hoje (ontem). Onde eu vivo, não existe um peronista há 20 anos. Com o triunfo macrista, será o fim da ideia de que a única alternativa para governar é o peronismo”, celebrou. 

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